PEÇA PROFISSIONAL
No ano de 2006, Augusto, residente em Porto Alegre – RS, firmou com a imobiliária Delta,
domiciliada em São Paulo – SP, contrato de promessa de compra e venda de imóvel localizado em
loteamento situado em Salvador – BA. Conforme o contrato, Augusto deveria pagar o imóvel em
30 parcelas mensais.
Após ter pago algumas parcelas, Augusto descobriu que o loteamento estava localizado em terra
pública estadual e que, portanto, a empresa estava praticando crime de grilagem. Em vista disso,
suspendeu o pagamento das prestações, antes mesmo de receber a posse do imóvel.
Por determinação do fisco, a empresa enviou à respectiva secretaria municipal de finanças a
listagem dos adquirentes.
Em 2008, ao requerer certidão negativa de débito, Augusto foi informado de que devia ao
município valor de IPTU e taxa de iluminação pública, relativos ao lote objeto do citado contrato, nos
montantes de, respectivamente, R$ 1.000,00 e R$ 200,00.
Inconformado, Augusto decidiu procurar escritório de advocacia para a proposição de ação judicial
com a finalidade de obter o cancelamento da dívida e a expedição imediata da certidão.
Em face da situação hipotética apresentada, na qualidade de advogado(a) contratado(a) por Augusto, elabore a peça processual que
entender cabível para a defesa dos interesses de seu cliente, abordando, em seu texto, todos os aspectos pertinentes, com base na lei,
doutrina e jurisprudência.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 190-191) A leitura atenta do problema permite compreender que a questão de fundo é a validade da cobrança do IPTU e da taxa de iluminação pública, em relação a Augusto. Perceba que o cidadão desistiu da compra, porque o imóvel é público, pertencente ao Estado. Se o imóvel é público, não há falar em cobrança do IPTU, em face da imunidade recíproca (art. 150, VI, a, da CF). Ademais, o contrato de compra e venda é nulo, pois um particular não poderia alienar aquilo que não lhe pertence. É preciso lembrar que, nos termos do art. 34 do CTN, contribuinte do IPTU é o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor do bem. Augusto não é nada disso. Proprietário é o Estado. Não há enfiteuse, nem, portanto, domínio útil. Não há posse de terra pública, mas simples detenção. Ademais, ainda que se admitisse a posse, o examinador consigna expressamente que Augusto suspendeu o pagamento das prestações "antes mesmo de receber a posse do imóvel". Embora a questão não informe expressamente, pode-se concluir que a taxa de iluminação pública é cobrada do proprietário do imóvel, já que é vinculada "ao lote objeto do citado contrato". Como visto, Augusto não é proprietário nem possuidor do lote, de modo que não é sujeito passivo da exação. Ademais, é cediço que a iluminação pública é serviço público indivisível, prestado uti universi, que não permite, portanto, a cobrança de taxa, conforme a jurisprudência pacífica. Veja a súmula 670/STF: "O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa". Quanto ao procedimento jurisdicional, perceba que o examinador fala em "obter o cancelamento da dívida e a expedição imediata da certidão". É possível a propositura de ação ordinária, o que permitiria ampla dilação probatória. Entretanto, considerando que é incontroverso que o imóvel pertence ao Estado, é possível a impetração de mandado de segurança repressivo, para cancelamento do lançamento contra Augusto e determinação para que a autoridade emita a certidão negativa. É muito importante que haja prova pré-constituída a respeito do domínio público da área, pois o mandado de segurança não admite dilação probatória! Isso deve ficar claro na petição. Sugerimos, com essas observações, a elaboração de petição inicial de mandado de segurança, inclusive para que o estudante treine sua redação. Quanto à competência jurisdicional, perceba que o examinador cita diversos Municípios (domicílio de Augusto e da vendedora), mas o que importa é o local do imóvel e do ato coator - Salvador - BA. Para elaboração da peça, é essencial que o candidato leia atentamente a Lei 12.016/2009, que regula o mandado de segurança. Atualmente, é necessário apontar não apenas a autoridade coatora, mas também pedir a cientificação da pessoa jurídica que esta integra, nos termos do art. 6º da citada Lei.
Eis a estrutura argumentativa (silogismo):
1. Fato: o Município cobra IPTU e taxa de iluminação em relação a imóvel estadual. Augusto, que nem sequer ocupa o imóvel, não consegue certidão negativa, por conta da cobrança;
2. Direito: os entes políticos não podem cobrar impostos em relação ao patrimônio dos outros entes da federação (imunidade recíproca). A taxa não pode ser cobrada de quem não é proprietário ou possuidor. Ademais, a taxa de iluminação é inconstitucional (Súmula 670/STF);
3. Conclusão: logo, é inválida a cobrança do IPTU e a taxa de iluminação contra Augusto, que tem direito à certidão negativa.
QUESTÃO 1 Pedro era sócio minoritário da empresa DYT Ltda., que se encontrava em
estado de falência, em débito com a União relativamente a imposto de renda. Em
vista disso, os sócios decidiram vender a empresa a Tiago, irmão de Pedro, em
alienação judicial.
Nessa situação hipotética, caso a operação de venda da empresa se concretize, quais serão os seus efeitos sobre a responsabilidade
pelo pagamento do imposto de renda? Quanto a esse aspecto, o que ocorreria, se Pedro e Tiago não tivessem qualquer vínculo ou
parentesco? Fundamente suas respostas.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 59) Se por venda da empresa o examinador se refere à alienação das cotas sociais, não há alteração na responsabilidade tributária, pois o IR continua sendo devido pela DYT Ltda., embora haja novo sócio. Nessa hipótese, tampouco há alteração de eventual responsabilidade dos antigos sócios, nos termos do art. 135 do CTN.
A referência ao processo falimentar, entretanto, indica que o examinador se refere à alienação judicial do estabelecimento empresarial (total ou parcial), e não das cotas sociais. Nessa hipótese, o adquirente não responde, em regra, pelos débitos tributários deixados pelo falido, nos termos do art. 133, §1º, do CTN. Ocorre que essa exclusão da responsabilidade não se aplica ao caso de o adquirente, em alienação judicial, ser parente até o quarto grau de qualquer dos sócios da empresa falida, nos termos do §2º, II, do mesmo dispositivo legal. Como Tiago (o adquirente) é irmão de Pedro (um dos sócios da empresa falida), responderá pelos tributos deixados pela DYT Ltda, nos termos do art. 133, caput, do CTN. Se não houvesse parentesco, a responsabilidade seria afastada, como já dito.
QUESTÃO 2
Considere que determinado ente da Federação crie taxa de registro empresarial cujo fato gerador
seja o cadastramento dos atos constitutivos da empresa no respectivo órgão de registro de
comércio e cuja base de cálculo seja o capital da empresa, sendo a respectiva alíquota de 0,001%.
A taxa deve ser paga tanto no registro do ato constitutivo quanto nas alterações contratuais. Nessa
situação, a referida taxa atende aos requisitos normativos? Fundamente sua resposta.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 24) Somente o ente competente para realizar o cadastramento, ou para fiscalizar a providência, poderá cobrar a taxa correspondente. Essa é uma consideração importante para a correta análise do tributo, embora a questão não informe qual ente da Federação (União, Estado, Distrito Federal ou Município) criou a taxa. De qualquer forma, toda base de cálculo deve ter relação com o fato gerador do tributo correspondente, quantificando-o, de certa forma. Assim, a taxa pelo exercício do poder de polícia deve ter uma base de cálculo que tenha relação com o custo da fiscalização. A taxa pela prestação de serviço, de modo semelhante, deve apresentar base de cálculo relacionada com o custo incorrido pelo Poder Público para oferecer esse serviço. Percebe-se que o capital da empresa não tem relação com a atividade estatal, de modo que não é base de cálculo apta a quantificar a taxa. Pode, em tese, ser base de cálculo de imposto, não de taxa (art. 145, §2º, da CF). Nesse sentido, o art. 77, p. único, in fine, do CTN veda expressamente o cálculo da taxa "em função do capital das empresas". A exação é, portanto, inválida.
QUESTÃO 3
A União concedeu à empresa Madeira Boa S.A., a partir de 1.º/1/2005 e com
base em lei então vigente, a isenção de determinado imposto, pelo período de 10
anos, sob a condição de que a empresa mantivesse projeto de reflorestamento de mil
hectares de terra por ano.
Nessa situação, caso a União tivesse revogado, em julho de 2008, a mencionada lei, a partir de que mês a empresa deixaria de gozar
da mencionada isenção? Fundamente sua resposta.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 77) A isenção concedida por prazo certo e sob condição não pode ser revogada em prejuízo ao contribuinte interessado, nos termos do Art. 178 do CTN: "Art. 178 - A isenção, salvo se concedia por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104." Assim, até o prazo inicialmente assinalado (dez anos contados a partir de 01/01/2005), a Madeira Boa S.A. terá direito à isenção, desde que cumpra a condição estabelecida (mantenha projeto de reflorestamento de mil hectares de terra por ano). Eventual revogação da isenção será aplicável à contribuinte somente após esse período (depois de 01/01/2015), observado o princípio da anterioridade, no caso de impostos sobre a renda ou sobre a propriedade (art. 104, III, do CTN).
QUESTÃO 4
Em 1998, Gilson deixou de cumprir determinada obrigação acessória e, por
isso, foi punido com multa de R$ 1.000,00. Recorreu na esfera administrativa até a
última instância, mas sucumbiu em todas as decisões. Recorreu na esfera judicial e,
igualmente, restou sucumbente, tendo a sentença transitado em julgado em agosto
de 2008. Em setembro de 2008, foi publicada uma lei que reduzia, para o valor de
R$ 600,00, a pena aplicada ao tipo de descumprimento praticado por Gilson.
Na situação hipotética apresentada, Gilson tem direito à redução da pena? Fundamente sua resposta de acordo com as normas gerais
de direito tributário.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 44) Em princípio, a norma punitiva mais benéfica retroage para beneficiar o infrator. No entanto, a retroatividade não se aplica no caso de trânsito em julgado, nos termos do art. 106, II, "c", do CTN: Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretério: (...) II - tratando-se de ato não definitivamente julgado (...) c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática." Considerando que na norma que reduziu a pena foi publicada em setembro de 2008 e o trânsito em julgado ocorreu no mês anterior, Gilson deverá pagar a multa de R$ 1 mil.
QUESTÃO 5
Amaro, empregado de uma loja, recebeu um bilhete em que seu chefe
imediato ordenava a emissão de nota fiscal da seguinte forma: a primeira via,
destinada ao cliente, deveria ser preenchida com o valor real da operação, e as
demais vias, que permanecem na empresa, com valor inferior. Em uma fiscalização
de rotina, o agente do fisco encontrou o referido bilhete e, após averiguações na loja
e com o comprador, verificou que, de fato a ordem dada pela chefia havia sido
cumprida por Amaro.
Na situação hipotética apresentada, qual é a qualidade da responsabilidade de Amaro? Fundamente sua resposta.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 58-59) O legislador reconheceu que, apesar de muitas vezes condenável moralmente, a atitude do empregado que descumpre a legislação tributária é resultado de coação no interior da própria empresa (o empregado tem medo de ser prejudicado ou até mesmo demitido). Nessa hipótese, a responsabilidade pessoal do agente (Amaro) é excluída, nos termos do art. 137, I, in fine, do CTN. Ademais, não há falar em responsabilidade do empregado por ato praticado contra o empregado (não incide o art. 137, III, b, do CTN), pois houve ordem superior. "Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; (...) III - quanto às infrações que decorram direta ou exclusivamente de dolo específico: (...) b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; (...)". Inexiste, portanto, responsabilidade tributária em desfavor de Amaro. Considerando que a receita da venda foi recolhida ao caixa da empresa, ela (a contribuinte que se beneficiou com a operação) deverá recolher o imposto. Poderá haver, eventualmente, responsabilização do superior de Amaro, nos termos dos arts. 135 e 137 do CTN.
Show de bola... Gostei muito da forma como o assunto foi desenvolvido...
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