PEÇA PROFISSIONAL
Em razão de decisão tomada no CONFAZ, firmada pelos secretários da Fazenda das 27 unidades
da Federação, foi aprovada no Congresso Nacional uma lei complementar com as seguintes disposições
relativas ao ICMS:
< o art. 1.o
iguala em âmbito nacional a alíquota do ICMS incidente sobre a produção e
comercialização do arroz, passando do que era, em média, 10%, para 30% em todas as unidades
da Federação;
< o art. 2.o
determina que, nas operações que destinem quaisquer mercadorias para o exterior,
seja mantido e aproveitado o montante do crédito do imposto cobrado nas operações e
prestações anteriores;
< o art. 3.o
determina que, nas operações de vendas isentas, os contribuintes vendedores tenham
igualmente o direito à manutenção e ao aproveitamento do montante do crédito do imposto
cobrado nas operações e prestações anteriores.
A cláusula de vigência dessa lei, publicada em 31 de maio de 2008, reza, apenas, que a lei entra
em vigor na data de sua publicação.
Em 30 de junho de 2008, o secretário da Fazenda do estado de São Paulo editou decreto de
regulamentação de tal lei, no qual se estabelece a exigência das novas alíquotas a partir de 1.º
de janeiro
de 2009.
Considerando a situação hipotética acima apresentada e supondo que você tenha sido contratado(a) por uma empresa agropecuária
produtora e exportadora de arroz, situada e domiciliada em São Paulo, para ajuizar uma ação judicial com vistas a evitar prejuízos
tributários decorrentes da lei mencionada, elabore a peça judicial adequada a atender às pretensões de sua cliente.
A peça não deve conter pedido ou causa de pedir que fira o texto constitucional ou que, de alguma forma, prejudique o cliente.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 195): O ICMS é um tributo nacional, apesar de ser competência dos Estados e do Distrito Federal. Isso significa que há muitas normas que regulam esse tributo na Constituição Federal (art. 155, §2º) e em normas nacionais, como leis complementares (especialmente a LC 87/1996), convênios interestaduais (CONFAZ) e resoluções do Senado. O examinador relata uma decisão da CONFAZ (resolução), uma lei complementar federal e um decreto estadual a regular a alíquota do ICMS e o aproveitamento dos créditos. Inicialmente, perceba que a única parte da legislação relatada que prejudica a empresa é a majoração da alíquota de 10% para 30% (art. 1º da lei complementar). A manutenção e o aproveitamento do crédito das operações que antecedem a exportação (art. 2º da lei complementar descrita na questão) é favorável à empresa. Ademais, isso é previsto diretamente pelo art. 155, §2º, X, a, da CF: "Art. 155, §2º, X, a, da CF: "Art. 155, §2º, X - não incidirá: (...) a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (...)" Veja que o examinador não fala em tributação sobre as exportações, o que seria inconstitucional, mas apenas em manutenção e aproveitamento dos créditos anteriores, o que é absolutamente válido e, como visto, decorre diretamente da Constituição. A previsão de manutenção e aproveitamento dos créditos que antecedem a operação isenta (art. 3º da lei complementar citada na questão) também é favorável aos contribuintes. A Constituição prevê o estorno (não aproveitamento) desses créditos, mas admite disposição legal em contrário. Veja o art. 155, §2º, II, "a" e "b", da CF: "Art. 155, §2º, II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; (...)". Assim, como já dito, a única disposição prejudicial à empresa produtora e exportadora de arroz é a majoração da alíquota, o que deveremos analisar com cuidado. O examinador deu a dica, ao determinar que "A peça não deve conter pedido ou causa de pedir que fira o texto constitucional ou que, de alguma forma, prejudique o cliente". A primeira providência do candidato, após a leitura atenta da questão e delimitação da questão a ser enfrentada, é ler os dispositivos constitucionais que tratam da matéria. A competência da CONFAZ é delineada pelo art. 155, §2º, XII, g, da CF: "Art. 155, §2º, XII - cabe à lei complementar: (...)g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. (...)". Note que, em princípio, compete ao CONFAZ decidir acerca de isenções, incentivos e benefícios fiscais, mas não sobre fixação de alíquotas de ICMS. A matéria (alteração de alíquotas) tampouco é listada no art. 155, §2º, da CF dentre aquelas que podem ser reguladas por lei complementar federal. Na verdade, as alíquotas internas do ICMS devem ser fixadas por lei estadual ou distrital de cada ente tributante. Compete ao Senado Federal (não ao Congresso Nacional, composto pelo Senado e pela Camara dos Deputados) apenas fixar as alíquotas interestaduais e, excepcional e facultativamente, limites mínimos e máximos para as alíquotas internas, nos estritos termos do art. 155, §2º, IV e V, da CF: "Art. 155, §2º, IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; (...)". Assim, o Congresso Nacional extrapolou suas competências ao fixar alíquotas de ICMS, de modo que a lei complementar produzida é inconstitucional. O Estado de São Paulo, portanto, não poderia, por simples decreto, estabelecer a exigência do ICMS com a alíquota majorada. Seria preciso, repita-se, lei estadual a tratar do assunto, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. Ainda assim, a majoração de 10% para 30% em relação a um produto absolutamente essencial seria questionável. Isso porque o ICMS pode (deve, para muitos autores) ser seletivo em função da essencialidade do bem, nos termos do art. 155, §2º, III, da CF. Vale dizer, produtos mais relevantes para a vida das pessoas, como é o caso do arroz e de outras mercadorias da cesta básica, devem ter tributação menor. Quanto ao procedimento jurisdicional, a empresa precisa de um provimento prévio, já que a majoração terá efeito apenas no ano seguinte (o problema foi formulado em 2008 e a majoração teria efeito apenas em 2009).
Não houve, portanto, lançamento ou cobrança. A adoção de mandado de segurança preventivo, embora aceito por boa parte da doutrina e da jurisprudência, pode ser arriscado, pois a segurança não pode ter efeito normativo (efeito futuro por tempo indeterminado e em relação a fatos indeterminados). Sugerimos, portanto, a confecção de petição inicial de ação declaratória de inexistência de obrigação tributária, com declaração incidental de inconstitucionalidade da lei complementar e do decreto estadual. Quanto ao pólo passivo da demanda e, portanto, à competência jurisdicional, a exigência do ICMS inconstitucionalmente majorado será feita pelo Estado de São Paulo. Contra ele deve ser dirigida a demanda.
Eis a estrutura argumentativa (silogismo):
1. Fato: o Congresso Nacional, por lei complementar, majorou as alíquotas internas de ICMS sobre as operações com arroz. Decreto estadual regulou o assunto, fixando a vigência a partir do exercício seguinte;
2. Direito: Compete aos Estados e ao Distrito Federal, por lei própria, fixar as alíquotas de ICMS. Compete ao Senado, por resolução, fixar as alíquotas interestaduais e, excepcionalmente, limites mínimos e máximos para as alíquotas internas. As pessoas tem direito à declaração de inexistência de relação jurídica, nos termos do art. 4º, I, do CPC;
3. Conclusão: logo, a lei complementar, o decreto e, portanto, a majoração da alíquota do ICMS é inconstitucional, o que pode ser declarado judicialmente.
QUESTÃO 1
Determinada empresa venceu licitação para obter a concessão de
distribuição de energia elétrica em uma cidade brasileira. Uma vez que o
fornecimento de energia elétrica é considerado serviço público, a empresa
utilizará, no serviço de distribuição de energia, toda a infra-estrutura de
propriedade pública.
Na situação hipotética apresentada, a empresa terá de pagar ao município imposto sobre serviço de qualquer natureza relativamente
ao fornecimento de energia elétrica? Justifique sua resposta.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 101): O art. 155, §3º, da CF veda expressamente a cobrança de outros impostos sobre as operações relativas à energia elétrica, além do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação e do ICMS: "Art. 155, §3º. À exceção dos impostos que tratam o inciso II do caput deste artigo [ICMS] e o Art. 153, I [Imposto de Importação] e II [Imposto de Exportação], nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País." Assim, os Municípios não têm competência tributária para exigir ISS sobre o fornecimento de energia elétrica.
QUESTÃO 2
José é proprietário de imóvel na cidade Y, no estado de Minas Gerais. No ano
de 2004, José foi contribuinte de imposto sobre propriedade territorial rural (ITR). Em
2005, o município Y editou lei em que passou a considerar como urbana a localidade
em que está situado o imóvel de José, razão pela qual lhe exigiria imposto sobre a
prorpriedade predial e territorial urbana (IPTU) no exercício seguinte.
Na situação hipotética apresentada, no ano de 2006, José deveria pagar em relação à propriedade do imóvel ITR ou IPTU? Justifique
sua resposta.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 100): O Art. 32, §§1ºe2º, do CTN consigna que a lei municipal definirá a zona urbana do município, para fins de incidência do IPTU, o que, por consequência, afasta a incidência do ITR (não se admite a bitributação). Entretanto, para que a área seja considerada urbana e, portanto, para que a lei municipal seja válida, o imóvel de José deve ser atendido por pelo menos dois melhoramentos entre os listados no §1º, ou deve estar localizado em área urbanizável ou de expansão urbana, nos termos do §2º, desse mesmo dispositivo: "§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II - abastecimento de água;III - sistema de esgotos sanitários;IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior." Assim, caso José reconheça que a lei municipal atende aos requisitos do art. 32, §§1º ou 2º, do CTN, ou seja, que seu imóvel pode ser considerado urbano, deverá recolher IPTU ao Município em 2006. Entretanto, caso José tenha dúvida quanto à natureza (urbana ou rural) de seu imóvel, à luz dos dispositivos legais mencionados, ou caso a União também cobre o ITR, o contribuinte poderá propor Ação Consignatória e depositar o valor que entende devido em juízo, nos termos do art. 164, III, do CTN, evitando, assim, pagar tributo indevido.
QUESTÃO 3
O secretário da Fazenda de um estado da Federação determinou a
desconstituição da personalidade jurídica de uma empresa que havia efetuado
negócio jurídico com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do
ICMS.
Nessa situação hipotética, o secretário agiu em conformidade com as normas do Código Tributário
Nacional (CTN)? Caso a resposta seja afirmativa, justifique-a; caso seja negativa, explicite, com
base no CTN, a medida que deveria ter sido adotada.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 49): A administração tributária até pode requerer em juízo a desconsideração da personalidade jurídica por abuso, nos termos do art. 50 do CC, mas não decretá-la administrativamente. O correto, no caso, seria desconsiderar o negócio jurídico realizado para dissimular a ocorrência do fato gerador, e cobrar o tributo com base na efetiva incidência do ICMS, nos termos do art. 116, p. único, do CTN.
QUESTÃO 4
Um importador de helicópteros, tendo conhecimento de que determinada lei
federal isenta de imposto sobre importação as aquisições de aviões fabricados no
exterior, requereu à Receita Federal do Brasil (RFB) a aplicação da isenção à
importação de helicópteros, tendo a RFB negado o pedido.
Na situação hipotética apresentada, com base em que fundamento jurídico a RFB denegou o pedido?
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS,
Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba:
Foco Jurídico, 2012, p. 45) O Fisco interpretará literalmente a norma que concede a isenção, nos termos do art. 111, II, do CTN: "Art. 11. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção; III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias." Em princípio, "avião" é algo que não se confunde com "helicóptero", de modo que, pela interpretação literal, a isenção concedida àquele não se estende a este.
QUESTÃO 5
A empresa Demolis, sediada unicamente em Fortaleza – CE, é especialista em
demolição de edifícios e foi contratada pela empresa Prédio Velho, sediada em
Contagem – MG, para realizar a demolição de um prédio localizado no município de
Cuiabá – MT, tendo sido o respectivo contrato firmado em Belém – PA.
Nessa situação hipotética, a que município será devido o ISS incidente sobre a demolição e quem será o responsável pelo pagamento
do tributo, caso o município credor da obrigação não tenha norma específica sobre a responsabilidade? Justifique sua resposta.
Gabarito (comentários de BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como passar na OAB: Prática Tributára. 3 ed. Indaiatuba: Foco Jurídico, 2012, p. 99): O ISS incidente sobre o serviço prestado pela empresa Demolis é devido ao Município do local da demolição, por expressa determinação do art. 3º, IV, da LC 116/2003: "Art. 3º. O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local: (...) IV - da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da lista anex; (...)". Assim, é irrelevante o local da sede da empresa contratante ou da contratada, ou onde foi firmado o acordo. O ISS será devido, portanto, ao Município de Cuiabá-MT, local da demolição. Em princípio, compete ao tomador do serviço (empresa Prédio Velho) reter o valor correspondente ao ISS e recolhê-lo ao fisco, na qualidade de responsável tributário, conforme o art. 6º, §2º, II, da LC 116/2003: "Art. 6º, §2º. Sem prejuízo do disposto no caput e no §1º deste artigo, são responsáveis: (...)II - a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos servíços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.05 [demolição]...da lista anexa." Entretanto, se o Município de Cuiabá-MT não possuir legislação regulando a responsabilidade do tomador do serviço, ou caso a empresa Prédio Velho recuse-se a reter o montante do ISS e recolhê-lo ao fisco, a prestadora do serviço (empresa Demolis), na qualidade de contribuinte, deverá calcular e pagar o imposto municipal.
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