PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL
Felipe das Neves, 20 anos, portador de grave deficiência mental, vem procurá-lo,juntamente com seu pai e
responsável, eis que pretendeu adquirir um carro, para ser dirigido por terceiro, a fim de facilitar sua locomoção,
inclusive para tratamentos a que se submete semanalmente. Entretanto, o Delegado da Delegacia Regional
Tributária negou-lhe o benefício que buscava usufruir, para não pagar ICMS e IPVA. Este benefício está previsto na
Lei WWW/00, a qual dispõe: “os portadores de deficiência poderão adquirir veículo automotivo com isenção integral
de ICMS e IPVA, sendo os carros de produção nacional, com adaptação e características especiais indispensáveis ao
uso exclusivo do adquirente portador de paraplegia, impossibilitado de usar os modelos comuns.”
Foi impetrado Mandado de Segurança, com pedido de liminar, para que Felipe obtivesse o benefício pretendido.
Entretanto, o Juízo negou a liminar, referindo que não se vislumbra a presença de fumaça do bom direito em que se
arrime o pleito liminar referido pelo Impetrante. O fundamento foi o de que a norma isentiva tem caráter
excepcional e se aplica apenas aos portadores de deficiência física e não aos portadores de deficiência mental. Além
disso, segundo a decisão, a norma pressupõe que o beneficiário da isenção esteja apto a dirigir, tanto que é
concedido para contrabalançar as despesas na adaptação do carro. Trata-se, primeiramente, de opção legislativa que
não cabe ao intérprete superar. Igualmente, não demonstrado qualquer perigo na demora da solução do caso,
afirmou a decisão.
Na qualidade de advogado de Felipe, e ciente de que já vencido o prazo para a interposição de eventuais Embargos
de Declaração, mas não superado 10 (dez) dias da data da publicação da decisão, elabore o recurso cabível da
decisão que negou a liminar, apresentando todos os fundamentos necessários à melhor defesa do interesse de
Felipe, tanto no que pertine ao direito a ser aplicado, quanto à sua interpretação. (Valor: 5,0)
Gabarito comentado pela FGV: 1) O recurso adequado é o agravo de instrumento, haja vista se estar diante de decisão interlocutória. Para
se evitar dúvidas o enunciado mostra que não há mais prazo para embargos de declaração, e evidencia que
ainda resta prazo para o recurso próprio mencionado.
2) Direcionamento ao Tribunal de Justiça;3) Qualificar Agravante: Felipe das Neves, portador de grave deficiência mental, representado por.........
Agravado: ente público a cujos quadros pertença a Autoridade coatora; a autoridade impetrada no
MS;Juízo da Vara Cível ou Vara de Fazenda Pública;
4) Fatos: solicitação do benefício e recusa do Delegado da Delegacia Regional Tributária. Indeferimento da
Medida Liminar no Mandado de Segurança;
5) A antecipação dos efeitos da tutela recursal: o cabimento da antecipação dos efeitos da tutela recursal,
que teria por efeito prático o deferimento da liminar pleiteada no Mandado de Segurança, e que foi
indeferida pela decisão agravada, tem amparo no Art. 527, inciso III, do CPC;
6) O fundamento jurídico deve ser o de que o veículo a ser adquirido por deficiente mental, ainda que seja
para ser dirigido por terceiro, porque a sua deficiência o impede de dirigir, deve receber a benesse
pretendida, qual seja, a de isenção do tributo estadual, sob pena de se dar tratamento manifestamente
desigual a tais deficientes. A negativa de tal benefício e a aplicação da regra da forma sustentada pela
Fazenda implica tratamento diferenciado (mais gravoso) a pessoa que apresenta deficiência incapacitante
análoga à física. A isenção deve ser interpretada de acordo com o que preceitua o Art. 111, II, do CTN,
desde que tal interpretação não afronte o princípio da isonomia. O candidato deverá defender a prática da
interpretação sistemática e teleológica da norma isentiva, de modo a conciliar a legislação tributária com o
texto constitucional, que propugna a integração social do deficiente e a eliminação de todas as formas de
discriminação (Art. 227, §1º, II, CR/88), bem como a eliminação de tratamento desigual entre contribuintes
que se encontrem em situação equivalente (Art. 150, II, CR/88);
7)Pedido de conhecimento e provimento do recurso para ser deferida a pretensão liminar constante no
mandado de segurança.
8) Deve ainda o recurso fazer menção ao fato de que estão sendo anexadas as peças obrigatórias para a
instrução do Agravo de Instrumento (ou, alternativamente, a cópia integral dos autos judiciais a partir dos
quais foi formado o instrumento).
QUESTÃO 1
João, de apenas 3 anos de idade, recebeu por herança apartamento que foi devidamente registrado em seu nome.
Ao receber a primeira notificação para o pagamento de imposto predial e territorial urbano (IPTU) do referido imóvel
no início de 2013, os pais de João deixam de efetuar o recolhimento do tributo por entender que a cobrança seria
improcedente, em razão da incapacidade civil do proprietário do imóvel.
Diante deste caso, responda de forma fundamentada:
A) O entendimento dos pais de João está correto? (Valor 0,60)
B) O Fisco poderia cobrar o tributo diretamente dos pais de João? (Valor 0,65)
Gabarito comentado pela FGV: A questão aborda o tema contribuinte e responsabilidade tributária.
A. Inicialmente o candidato deverá indicar que o entendimento dos pais de João não está correto,
tendo em vista que a condição de contribuinte independe da capacidade civil, na forma do artigo 126, I, do
Código Tributário Nacional.
B. Além disso, cabe ao candidato afirmar que o Fisco poderia cobrar o tributo dos pais de João, tendo
em vista a responsabilidade dos pais em relação aos tributos devidos por seus filhos menores, determinada
pelo Art. 134, I, do Código Tributário Nacional.
QUESTÃO 2
A empresa XYZ deixou de declarar e pagar imposto sobre a renda, devido no ano calendário 2006. No início de 2013,
a empresa decidiu incluir todos os valores não declarados e não pagos em um parcelamento previsto em lei federal
assinando, para tanto, termo de confissão de dívida.
Após quitação integral do parcelamento, a empresa XYZ percebeu que, antes mesmo da inclusão dos valores no
referido programa, os débitos já tinham sido atingidos pela decadência, tendo em vista que em nenhum momento
houve a constituição do crédito através do lançamento.
Diante disso, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir.
A) Considerando o instrumento de confissão de dívida assinado pelo contribuinte, bem como a quitação integral
do tributo, é possível que o contribuinte pleiteie a restituição dos valores que foram atingidos pela decadência?
(Valor 0,80)
B) Tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação não pago e não declarado, que dispositivo do
Código Tributário Nacional é aplicável para regular a contagem do prazo para o Fisco realizar o lançamento?
(Valor 0,45)
Gabarito comentado pela FGV: A questão envolve conhecimentos do examinando sobre lançamento, decadência e direito de repetição do
indébito.
A. O examinando deve afirmar que a decadência é forma de extinção do crédito tributário, incidindo,
neste caso, o disposto no Art. 173, I, do Código Tributário Nacional. Nesse contexto, o instrumento de
confissão de dívida assinado pelo contribuinte não tem o condão de restabelecer o crédito tributário,
havendo inclusive entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo
Sendo assim, é possível que a pessoa jurídica “XYZ” pleiteie a restituição dos valores que foram atingidos
pela decadência.
B. O prazo é regido pelo Art. 173, I, do Código Tributário Nacional. Conforme assentado pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo: “O prazo decadencial
quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do
exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê
o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo não ocorre, sem a
constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito”.
QUESTÃO 3
Determinada instituição de educação sem fins lucrativos foi autuada pelo Estado “X”, em razão do descumprimento
de obrigação acessória prevista na legislação estadual. No caso, a obrigação acessória consistia em manter o livro de
registro do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). Em sua defesa administrativa, a entidade
sustentou que, por gozar de imunidade tributária, nos termos do Art. 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição da
República, e por não ser contribuinte do ISSQN, não estava obrigada a manter o livro de registro do referido imposto.
A tese sustentada na defesa apresentada pela entidade imune é procedente? Responda de forma fundamentada.
(Valor: 1,25)
Gabarito Comentado pela FGV: A obrigação tributária acessória, nos termos do Art. 113, §2º do CTN, tem por objeto as prestações,
positivas ou negativas, previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Ou seja, o
objetivo das obrigações tributárias acessórias é conferir meios para que a Administração Tributária possa
fiscalizar o devido cumprimento de uma obrigação principal (de pagar o tributo).
Diferentemente do que ocorre no Direito Privado, a obrigação tributária acessória não depende da
existência de uma obrigação tributária principal nem a ela se subordina. A referida “acessoriedade” decorre
desse caráter instrumental dessa espécie de obrigação, para fins de controle do cumprimento da obrigação
principal. São deveres instrumentais autônomos em relação à obrigação principal, estabelecidos com a
finalidade de viabilizar a fiscalização do cumprimento das obrigações principais. Assim, obrigação tributária
acessória é autônoma em relação à obrigação principal, como se pode verificar no Art. 175, parágrafo
único, e no Art. 194, parágrafo único, todos do CTN. Em razão dessa autonomia, os efeitos da imunidade
podem restringir-se às obrigações tributárias principais, não dispensando a entidade imune de cumprir
obrigações acessórias eventualmente previstas na legislação, conforme estabelece o Art. 9º, inciso IV,
alínea “c”, c/c Art. 14, inciso III, todos do CTN. Assim, no caso em tela, em razão de previsão legal, a
imunidade tributária da instituição de educação não dispensava a obrigação de manter livro de registro do
imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). Portanto, a tese apresentada na defesa da instituição
imune é improcedente.
QUESTÃO 4
O Presidente da República editou Medida Provisória estabelecendo normas gerais sobre o imposto sobre
propriedade de veículos automotores (IPVA), relativamente ao seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes.
Partindo da premissa de que estão preenchidos os requisitos de relevância e urgência, responda aos itens a seguir,
de forma fundamentada, indicando os dispositivos legais pertinentes.
A) Pode uma Medida Provisória do Presidente da República estabelecer normas gerais sobre o imposto sobre
propriedade de veículos automotores (IPVA), tal como a acima referida? (Valor: 0,70)
B) Inexistindo normas gerais relativas ao imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA), podem os
legisladores estaduais definir, no âmbito de suas competências, e observados os limites impostos pela
Constituição Federal, o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes desse imposto? (Valor: 0,55)
Gabarito Comentado pela FGV:A. Não. De acordo com o Art. 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição da República, cabe à Lei
Complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, definindo, inclusive em
relação ao IPVA, os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Como o Art. 62, § 1º,
inciso III, da Constituição da República, veda a edição de Medidas Provisórias em relação a matéria
reservada à Lei Complementar, conclui-se que uma Medida Provisória não pode veicular normas gerais
sobre o IPVA.
B. Sim. Inexistindo normas gerais relativas ao imposto sobre propriedade de veículos automotores
(IPVA), o legislador estadual, no contexto da competência concorrente, exerce competência plena sobre a
matéria, nos termos do Art. 24, § 3º, da Constituição da República e Art. 34, § 3º, do ADCT.
Nenhum comentário:
Postar um comentário